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Crianças Influencers: Quem Está Realmente no Controlo da Sua Identidade Digital?

  • Foto do escritor: Cátia Castro
    Cátia Castro
  • 15 de abr.
  • 3 min de leitura

A ascensão das redes sociais trouxe consigo um fenómeno cada vez mais comum: crianças que se tornam celebridades digitais antes mesmo de saberem ler ou escrever bem. Chamam-se kidfluencers, influenciadores digitais crianças e adolescentes, em que o seu impacto no marketing infantil é significativo. Mas por trás das imagens bem produzidas e dos conteúdos aparentemente espontâneos, há uma realidade mais complexa e, muitas vezes, preocupante: a construção da identidade digital da criança é, na maioria dos casos, gerida e controlada pelos próprios pais.


O que está em causa?


O sucesso de um kidfluencer depende de algo que todos valorizamos nas redes sociais: autenticidade. Contudo, quando falamos de crianças, a noção de “ser autêntico” torna-se um jogo de espelhos. Investigação recente mostra que os perfis de crianças influenciadoras raramente refletem quem elas são verdadeiramente. Em vez disso, representam uma combinação dos desejos dos pais, das expectativas dos seguidores e das exigências dos parceiros comerciais.


Num estudo recente, os dados revelam que as crianças aparecem como as protagonistas, mas são os pais, maioritariamente mães, quem escreve os textos, tira as fotografias, gere as colaborações com marcas, responde a comentários e decide o que é ou não publicado.


Quem é o verdadeiro influenciador?


Para muitas destas famílias, a motivação inicial foi “guardar memórias”, mas rapidamente se transformou numa estratégia de exposição e monetização.

As mães assumem o papel de momagers, ou seja, mães que gerem a carreira digital dos filhos, conciliando este papel com as exigências da maternidade.

Para algumas, isto permite gerar rendimento, viajar e receber produtos gratuitos. Para outras, é uma forma de realizar sonhos que, em tempos, foram seus.


No entanto, este controlo parental levanta várias questões éticas:


  • As crianças sentem-se obrigadas a produzir conteúdo mesmo quando não querem.

  • Algumas vivem tensões com os pais por recusarem colaborar com marcas.

  • Muitas criam contas privadas para poderem partilhar conteúdos genuínos e espontâneos — longe do olhar público e da curadoria parental.


Autenticidade ou trabalho infantil disfarçado?


Embora a maioria dos pais diga que os filhos estão motivados e que não sentem pressão, os dados sugerem o contrário. Crianças que ensaiam sorrisos ao espelho por exigência dos pais, ou que são chamadas a fazer vídeos após a escola para cumprir prazos comerciais, estão a desempenhar papéis mais próximos de trabalho do que de lazer.


Mesmo quando não há intenção de prejudicar, o risco é real: estas crianças crescem com a sua identidade digital moldada por critérios de popularidade e validação externa. Estão a ser ensinadas, desde cedo, que a aceitação depende da performance e que o seu valor está associado ao número de likes ou à próxima campanha publicitária.


E a privacidade?


A exposição destas crianças traz riscos acrescidos. Por vezes as mães podem receber mensagens inapropriadas de adultos. Algumas revelaram preocupação com a forma como esta exposição poderá afetar o futuro das suas filhos, nomeadamente a forma como serão vistos pelos pares, futuras entidades empregadoras ou até pelos próprios quando forem adultos.

Não obstante, muitas continuam a manter os perfis públicos porque “é assim que se ganha visibilidade”. Esta contradição denomina-se de paradoxo da privacidade: os pais querem proteger os filhos, mas a própria dinâmica do sucesso nas redes sociais obriga à exposição.


E as marcas?


As marcas que colaboram com kidfluencers procuram conteúdos que pareçam espontâneos e reais. No entanto, os resultados mostram que esses conteúdos são muitas vezes encenados, com textos fornecidos pelas marcas e pouca liberdade criativa para as crianças. Pior ainda: muitos pais não divulgam de forma clara que os conteúdos são patrocinados, seja por desconhecimento das regras ou por pedido directo das marcas.


O que podemos fazer?


A responsabilidade deve ser partilhada entre pais, plataformas digitais, marcas e decisores políticos. Algumas sugestões:


  • Regulação clara e eficaz que limite o número de colaborações comerciais e garanta que parte dos rendimentos seja reservada para a criança.

  • Acompanhamento por entidades neutras que salvaguardem o interesse superior da criança em colaborações comerciais.

  • Formação para pais e marcas, promovendo boas práticas de transparência, segurança e equilíbrio entre trabalho e lazer.

  • Ferramentas de apoio e informação para pais que desejam proteger a privacidade dos filhos mas se sentem pressionados a manter os perfis ativos.


As crianças influenciadoras são uma realidade complexa. Precisamos de mais investigação, de melhor legislação e de uma mudança de mentalidade coletiva.


As crianças não são marcas, nem propriedade pública.

São pessoas em desenvolvimento. Têm direito a um espaço onde possam crescer sem filtros, sem likes, e sem a pressão de representar algo que não são.

Proteger o seu bem-estar exige que coloquemos os seus interesses à frente dos algoritmos.





Fontes: Van den Abeele, E., Hudders, L., & Vanwesenbeeck, I. (2024). Managing authenticity in a kidfluencers’ world: A qualitative study with kidfluencers and their parents. New Media & Society, 0(0). https://doi.org/10.1177/14614448231222558


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